Uma
educação que não respeite a diversidade e que não valorize o convívio,
a interação e a cooperação entre alunos naturalmente diferentes nas
suas personalidades e nos seus percursos de aprendizagem é uma educação
antiética
Desde que foi proclamada em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) sempre tem estado debaixo de alguma polêmica. A sua aspiração de consagrar direitos “universais” tem sido repetidamente desafiada por críticas que sublinham as circunstâncias de tempo e de espaço em que esta declaração foi concebida. Estas críticas colocam em discussão a parcialidade e a relatividade dos direitos humanos tal como foram entendidos e proclamados na declaração e assim reduzir-lhes o impacto, ao tornarem-nos fruto de uma conjuntura e mera expressão de um conjunto de circunstâncias.
Parece inequívoco que a DUDH atribui à educação um estatuto que não é a de um simples direito (“Toda a pessoa tem direito à educação…”), mas também lhe atribui o papel de ser uma ferramenta, um meio, para que todos os outros direitos proclamados na declaração sejam desenvolvidos e efetivados (”A educação deve visar (…) o reforço dos direitos humanos…”). Este duplo papel da educação enquanto direito em si próprio e em meio indispensável para que se concretizem todos os outros direitos é extraordinariamente ambicioso e responsabilizador. Desafia-nos a conceber um sistema educativo que possa cumprir aquilo que a declaração proclama e que cada país subscreveu: uma educação que para além de ser verdadeiramente universal possa contribuir decisivamente para concretizar todos os outros direitos humanos.
Se a educação deve “reforçar os direitos humanos (…), as liberdades (…) e favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade (…)”, será que ela se pode organizar fora dos valores da inclusão? Pareceria muito estranho que pudesse ser favorecida a “compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos” sem que estes desideratos pudessem ser desenvolvidos fora de uma perspectiva inclusiva. É absurdo pensar que se pode encorajar o conhecimento da diferença criando os ambientes restritivos e homogêneos. Como se poderia conhecer e compreender o outro limitando o convívio com as diferenças? Lembraria a este propósito que a inclusão tem como base princípios educacionais, a valorização da aprendizagem de todos os alunos num mesmo contexto educacional (agrupamento, escola, turma), sendo por isso fundamental que a escola possa diversificar os conteúdos, as estratégias e as experiências de aprendizagem para que ninguém fique privado da melhor educação a que tem direito.
Defender que a qualidade educacional se atinge através da constituição de grupos homogêneos de alunos e que os alunos aprenderiam mais e melhor, se não tivessem que lidar com as diferenças dos outros (isto é, que todos aprendessem tudo ao mesmo tempo), é completamente irreal. Se alguém tem dúvidas sobre a excentricidade desta opinião que peça a qualquer professor para ele lhe relatar a sua experiência com turmas “homogêneas”…
Diria, como corolário, que uma educação que não respeite a diversidade e que não valorize o convívio, a interação e a cooperação entre alunos naturalmente diferentes nas suas personalidades e nos seus percursos de aprendizagem é uma educação antiética, porque é contrária à DUDH.
Os direitos humanos proclamados na DUDH, apesar de serem “velhinhos” de 65 anos, continuam a constituir-se como um baluarte de defesa contra as injustiças sociais e educacionais.
Termino relembrando a majestosa primeira frase do artigo 1.º da declaração “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em opinião e em direitos.” A partir daqui parece “fácil”: é só construir uma educação que, nos seus valores e práticas, não seja contrária aos direitos humanos.
Desde que foi proclamada em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) sempre tem estado debaixo de alguma polêmica. A sua aspiração de consagrar direitos “universais” tem sido repetidamente desafiada por críticas que sublinham as circunstâncias de tempo e de espaço em que esta declaração foi concebida. Estas críticas colocam em discussão a parcialidade e a relatividade dos direitos humanos tal como foram entendidos e proclamados na declaração e assim reduzir-lhes o impacto, ao tornarem-nos fruto de uma conjuntura e mera expressão de um conjunto de circunstâncias.
Parece insofismável que uma leitura atenta
da declaração desvenda as marcas de um tempo e de um espaço claramente
ocidental e de pós-guerra. Mas será que a situação espácio-temporal da
declaração a invalida e lhe retira a pertinência? Lembraria que nenhum
escrito humano, por mais sagrado, inspirado ou intemporal que pareça,
pode prescindir da sua contextualização no tempo e no espaço. É, por
exemplo, muito difícil entender plenamente os textos da Bíblia – quer o
Novo quer o Velho Testamento – sem que as suas narrativas sejam
contextualizadas e situadas no tempo. Não é portanto argumento
depreciativo para qualquer escrito o fato de o situar num tempo e num
espaço: pelo contrário, trata-se uma diligência indispensável para o
compreender em toda a sua significação.
No que respeita à educação, a DUDH é particularmente interessante. Isto porque proclama no seu artigo 26.º, n.º 1: “Toda a pessoa tem direito à educação (…).” Logo no parágrafo 2.º postula: “A
educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao
reforço dos direitos do homem e das diferentes liberdades fundamentais e
deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e todos os grupos raciais ou religiosos (…).” Entende-se o grande alcance e a ambição deste artigo: o de outorgar a todos os seres humanos (sublinho “todos”,
independentemente de serem pobres, estrangeiros, do seu gênero, da sua
deficiência, etc.) o direito a uma educação que vise o desenvolvimento
pleno da personalidade e o reforço dos direitos do homem. É este
último aspecto — “reforço dos direitos do homem” — que gostaria de realçar nesta reflexão.Parece inequívoco que a DUDH atribui à educação um estatuto que não é a de um simples direito (“Toda a pessoa tem direito à educação…”), mas também lhe atribui o papel de ser uma ferramenta, um meio, para que todos os outros direitos proclamados na declaração sejam desenvolvidos e efetivados (”A educação deve visar (…) o reforço dos direitos humanos…”). Este duplo papel da educação enquanto direito em si próprio e em meio indispensável para que se concretizem todos os outros direitos é extraordinariamente ambicioso e responsabilizador. Desafia-nos a conceber um sistema educativo que possa cumprir aquilo que a declaração proclama e que cada país subscreveu: uma educação que para além de ser verdadeiramente universal possa contribuir decisivamente para concretizar todos os outros direitos humanos.
Se a educação deve “reforçar os direitos humanos (…), as liberdades (…) e favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade (…)”, será que ela se pode organizar fora dos valores da inclusão? Pareceria muito estranho que pudesse ser favorecida a “compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos” sem que estes desideratos pudessem ser desenvolvidos fora de uma perspectiva inclusiva. É absurdo pensar que se pode encorajar o conhecimento da diferença criando os ambientes restritivos e homogêneos. Como se poderia conhecer e compreender o outro limitando o convívio com as diferenças? Lembraria a este propósito que a inclusão tem como base princípios educacionais, a valorização da aprendizagem de todos os alunos num mesmo contexto educacional (agrupamento, escola, turma), sendo por isso fundamental que a escola possa diversificar os conteúdos, as estratégias e as experiências de aprendizagem para que ninguém fique privado da melhor educação a que tem direito.
Defender que a qualidade educacional se atinge através da constituição de grupos homogêneos de alunos e que os alunos aprenderiam mais e melhor, se não tivessem que lidar com as diferenças dos outros (isto é, que todos aprendessem tudo ao mesmo tempo), é completamente irreal. Se alguém tem dúvidas sobre a excentricidade desta opinião que peça a qualquer professor para ele lhe relatar a sua experiência com turmas “homogêneas”…
Diria, como corolário, que uma educação que não respeite a diversidade e que não valorize o convívio, a interação e a cooperação entre alunos naturalmente diferentes nas suas personalidades e nos seus percursos de aprendizagem é uma educação antiética, porque é contrária à DUDH.
Os direitos humanos proclamados na DUDH, apesar de serem “velhinhos” de 65 anos, continuam a constituir-se como um baluarte de defesa contra as injustiças sociais e educacionais.
Termino relembrando a majestosa primeira frase do artigo 1.º da declaração “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em opinião e em direitos.” A partir daqui parece “fácil”: é só construir uma educação que, nos seus valores e práticas, não seja contrária aos direitos humanos.
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
Fonte: www.publico.pt
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